Para embarcar de volta para casa após viagem a trabalho, a executiva Gabriela Torquato, 31, precisou tirar e passar no raio-x a prótese que cobre grande parte de seu corpo. A experiência traumática aconteceu no aeroporto Presidente João Suassuna, em Campina Grande, na Paraíba, neste domingo (3), Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.
Acostumada a viajar com frequência, a presidente do Instituto XP diz que foi a primeira vez que isso aconteceu com ela no Brasil, além da Etiópia.
Após argumentar com funcionárias do aeroporto, administrado pela Aena, Gabriela cedeu e foi a uma sala onde tirou a prótese. Por não caber na bandeja, pediu que não a encostassem na esteira do raio-x, uma vez que fica em contato direto com seu corpo.
“Ficar sem a prótese é um momento de vulnerabilidade enorme pra mim. É um negócio íntimo, eu fico quase nua, em carne viva, tem sangue”, diz ela, que publicou em suas redes sociais um desabafo.
“Será que em algum lugar em mim ainda sinto como se eu fosse a errada? Como se eu tivesse atrapalhando?”
Gabriela Torquato narrou à Folha o ocorrido, na esperança de que lideranças sejam responsabilizadas e que processos de segurança em aeroportos sejam revisados.
“Esse foi um caso um pouco mais extremo do que vivo quase todos os dias. Sei que quando vou pegar um vôo vou viver situações absurdas. É sistêmico, temos que falar sobre isso.”
“Eu estava em um vôo longo, com escalas, em uma viagem a trabalho. Faltavam 20 minutos para o embarque, eu viajaria às 15h30. Estava cansada, foram dias sentindo dor, minha pele estava em carne viva.
Como não tinham comprado passagem que incluía cadeira de rodas, usava minha própria mala como apoio. Peguei a fila preferencial no raio-x, onde fui recebida por profissionais que supostamente são treinadas para lidar com pessoas com deficiência.
Passei a bagagem. Uma das funcionárias estranhou minha prótese. Ela é bem grande, vai até o seio.
Eu tive má formação congênita, não tenho os ossos do quadril do lado esquerdo nem o membro inferior. Meu nível de amputação é grande e, por isso, uso uma prótese que amarra na cintura desde que tinha um ano e meio de idade, que é quando alcancei peso suficiente para aguentá-la.
Esse tipo de situação acontece sempre quando viajo. A minha prótese é rara. As pessoas não estão preparadas e não acreditam. Então, às vezes, eu levanto a blusa rapidinho e tudo se resolve.
Mas ali não. A moça estava visivelmente nervosa e explicou que teria que encostar em mim. E que teria que tirar a prótese e passá-la no raio-x.
Eu respondi tranquilamente que aquilo nunca tinha acontecido no Brasil, que não era procedimento padrão. E olha que eu viajo bastante, já fui a lugares bem pitorescos em questão de segurança, como Rússia e Israel. Só na Etiópia, por dificuldades na comunicação, é que passei por algo parecido.
A moça preferiu chamar a supervisora. As duas não sabiam o que fazer naquela situação. Elas estavam tentando ser cuidadosas, mas entendi que estavam completamente despreparadas. Faltava treinamento. E ela começou a falar que era lei, que precisava fazer vistoria.
Eu perguntei se podia levantar a blusa ali para elas verem, estava aflita com o horário. Vai ser um constrangimento, elas disseram, e me pediram para ir a uma sala. Sozinha, sem minha bagagem, sem nada e ninguém que pudessem testemunhar.
Mas eu não tive forças para reagir. São 24 horas guerreando. E eu às vezes até peço desculpa quando vão me revistar porque começam a me apalpar e eu fico sem equilíbrio.
Na sala, elas do lado de fora, eu tirei a prótese. É delicado porque ela é muito grande e pesada. Não cabe na bandeja do raio-x.
Ficar sem a prótese é um momento de vulnerabilidade enorme pra mim. É um negócio íntimo, eu fico quase nua, em carne viva, tem sangue. E aí a pessoa vai colocando a mão, dizendo que poderia ter algo escondido ali, sabe?
Eu pedi que não deixasse encostar a prótese no chão ou na esteira porque são lugares sujos e ela fica em contato com a minha pele.
Ela saiu sem nem saber como segurar. Quando voltou, veio fazer a revista sem a prótese. Passou a mão no meu toco e na virilha. Sentir o toque de alguém em carne viva não é gostoso, foi um processo de estar ainda mais nua.
Mas eu não tive forças para reagir. São 24 horas guerreando. E eu às vezes até peço desculpa quando vão me revistar porque começam a me apalpar e eu fico sem equilíbrio.
Na sala, elas do lado de fora, eu tirei a prótese. É delicado porque ela é muito grande e pesada. Não cabe na bandeja do raio-x.
Ficar sem a prótese é um momento de vulnerabilidade enorme pra mim. É um negócio íntimo, eu fico quase nua, em carne viva, tem sangue. E aí a pessoa vai colocando a mão, dizendo que poderia ter algo escondido ali, sabe?
Eu pedi que não deixasse encostar a prótese no chão ou na esteira porque são lugares sujos e ela fica em contato com a minha pele.
Ela saiu sem nem saber como segurar. Quando voltou, veio fazer a revista sem a prótese. Passou a mão no meu toco e na virilha. Sentir o toque de alguém em carne viva não é gostoso, foi um processo de estar ainda mais nua.
Eu não quero que as funcionárias sejam demitidas. Isso não resolve o problema. Eu quero que as lideranças sejam responsabilizadas e que mudem os processos.
Quando a gente vive isso todos os dias, a gente naturaliza. Sei que quando vou pegar um vôo, vou viver situações absurdas. Mas precisamos de mais sensibilidade, precisamos virar o jogo.”
Em nota, a Aena, concessionária que administra o aeroporto de Campina Grande, assim como Congonhas (SP), lamentou o atendimento realizado e pediu desculpas a Gabriela Torquato.
“Embora a inspeção tenha acusado a presença de metal no corpo da passageira, a profissional presente no momento poderia ter solicitado a liberação do embarque à Polícia Federal.”
Fonte: Folha Online